"Sejamos bons mordomos das dádivas divinas."
Falar
sobre dinheiro se tornou algo muito complicado nos dias atuais. O abuso
sem medida de líderes religiosos e os escândalos relacionados à má
administração dos recursos financeiros em suas igrejas e vidas pessoais
têm provocado uma verdadeira intimidação entre aqueles que nada têm a
ver com suas motivações obscuras e ações vergonhosas. Para não serem
confundidos com tais dirigentes, muitos outros líderes têm optado por
simplesmente não abordar o assunto. No entanto, dinheiro é um tema por
demais importante para aqueles que desejam construir uma espiritualidade
cristã sadia, consistente e integral.
Mas
o assunto dinheiro consta das Escrituras. Esteve nos lábios de Jesus
por diversas vezes e ocupa importante lugar, tanto na espiritualidade
desenvolvida pelo povo de Israel no Antigo Testamento, como para a
Igreja primitiva. Dependendo do lugar que o dinheiro venha ocupar em
nossas vidas, ele se revelará como um importante aliado ou um perigoso
inimigo. Se usado como meio de expressão de nosso amor a Deus acima de
todas as coisas e ao nosso próximo como a nós mesmos, ganhamos um
aliado. Se não, ele se transforma em um poderoso instrumento de
sabotagem deste projeto, ocupando o lugar de Deus e deslocando nosso
amor de pessoas para coisas. Não existe ponto de equilíbrio nesta
relação – se o dinheiro não for usado como meio para expressar nosso
amor a Deus e àqueles que nos cercam, ele se tornará nosso opressor.
Diversas
leis dadas pelo Senhor a Israel tinham como propósito manter o dinheiro
no seu devido lugar. Dízimos e ofertas se apresentavam como práticas
muito mais profundas do que um mero ritual religioso para manutenção do
culto no contexto da nação. Ao dedicar a décima parte de sua produção à
administração dos sacerdotes – para a manutenção dos trabalhos
religiosos e o suporte a famílias menos favorecidas –, o povo era
estimulado em pelo menos três áreas. Em primeiro lugar, quanto ao
reconhecimento de que seu Deus é o Senhor de todas as coisas. Assim,
homens, mulheres e crianças eram lembrados constantemente de quem era o
real proprietário da terra e de tudo que a mesma produz. Eram apenas
mordomos de tudo quanto Deus lhes disponibilizou, inclusive a terra de
Canaã, dada pelo Senhor como herança.
Em
segundo lugar, a prática de dar com liberalidade ensinava o povo a
depender de Deus como fonte primária da vida. Como expressão dessa
dependência, os hebreus dedicavam como oferenda as primícias da terra,
mesmo sem garantia de que a colheita seria abundante. Por fim, todos
eram gratos ao Senhor por todas as bênçãos recebidas. Cada estação de
chuvas era vista como uma dádiva, e cada safra, como um presente dos
céus. No entanto, os principais beneficiários das prática de dízimos e
ofertas não eram os sacerdotes, muito menos os pobres que seriam
sustentados com o produto dedicado ao Senhor. Quem ganhava era o próprio
doador, que exercitava em seu coração o reconhecimento de Deus como
controlador de tudo, fonte primária da vida e origem de todas as
bênçãos. Neste contexto, bens materiais eram apenas meio para se
manifestar amor por Deus e ao próximo.
Já
no Novo Testamento, encontramos ambiente diverso: a sociedade já não é
essencialmente rural, mas vive em cidades e sob a dominação do Império
Romano, consolidando assim o uso do dinheiro como moeda nas relações de
trabalho, de compra e venda de produtos e, consequentemente, na
dedicação dos dízimos e ofertas. Em diversas ocasiões, a narrativa fala
de ofertas em espécie, e não mais através do produto da terra – e Jesus
fala claramente aos seus discípulos acerca do lugar do dinheiro no
desenvolvimento de uma espiritualidade cristã sadia, consistente e
integral. “Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o
outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir
a Deus e ao dinheiro”
(Mateus 6.24).
Na
mesma direção, o apóstolo Paulo escreve ao seu discípulo Timóteo,
alertando-o sobre o grande poder de sedução exercido pelo dinheiro
quando não colocado em seu devido lugar: “Os que querem ficar ricos caem
em tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e
nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição”
(I
Timóteo 6.9). Fica claro que, já àquela época, as riquezas passaram a
ocupar um lugar indevido no coração das pessoas.
Mas
como podemos resgatar o dinheiro como um aliado na construção de uma
espiritualidade sadia, consistente e integral? Não existe outro caminho
senão o resgate de algumas das práticas espirituais instituídas por Deus
no passado. Por um lado, a dedicação dos dízimos e ofertas exercita
nosso coração na direção do desapego ao dinheiro e do amor ao Senhor;
por outro, a caridade nos estimula a valorizar mais pessoas do que
coisas. Tudo isso, sem desprezarmos a boa administração dos recursos que
Deus nos tem dado, como bons mordomos que usam as dádivas divinas como
meio de expressão de amor ao Pai acima de todas as coisas e ao próximo
como a nós mesmos.
Por Ricardo Agreste
Cristianismo de Hoje