A Fundação da Igreja em Laodiceia
Laodiceia
recebeu este nome em 250 a.C, após ser conquistada pelo governador
sírio, Antíoco II, em homenagem a sua esposa Laodice. Em 133 a.C. os
romanos fizeram da cidade um centro judicial e administrativo,
investindo também em sua infra-estrutura, cooperando dessa forma para
que se transformasse num rico centro comercial. Suas atividades
econômicas envolviam a industria de lã negra, o manufaturamento de
vestimentas comuns e caras, e a invenção e produção de um colírio eficaz
para os olhos.[1]
Essas atividades, e a riqueza material delas advindas será utilizada
por Jesus como metáfora para descrever a real condição espiritual da
igreja em Laodiceia.
Uma
característica bem peculiar da cidade, que será também citada
metaforicamente por Jesus, era a qualidade de sua água. A cidade era
abastecida pela água que vinha de Heliópolis, que ficava a uma distância
de aproximadamente dez kilômetros, que chegava em Laodiceia morna e
saturada com carbonato de cálcio, onde bebida naquelas condições induzia
ao vômito.[2]
O templo para o culto ao imperador ocupava um lugar central na cidade.[3]
Assim
como no caso de Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes e Filadélfia, o
Evangelho pode ter chegado em Laodiceia através da obra missionária de
Paulo (At 19.10), mas não devemos descartar a hipótese de que
testemunhas e convertidos no dia de Pentecostes poderiam ter sido os
primeiros a levar o Evangelho para aquela região (At 2.5-11).
A Condição da Igreja em Laodiceia
Conheço
as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou
quente! Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a ponto
de vomitar-te da minha boca; (Ap 3.15-16)
A
condição espiritual da igreja em Laodiceia se assemelhava com a
mornidão da água da cidade. Laodiceia vivia um modelo de cristianismo
tão apático, que as suas obras não eram sequer dignas de serem
mencionadas. Pregação, ensino, evangelização, discipulado e outras
realizações parecem não fazer parte da agenda da igreja em Laodiceia. É
nesse ponto que encontramos na carta o primeiro sinal da manifestação da
graça de Jesus operando em favor dos crentes laodicenses. Ele declara:
“estou a ponto de vomitar-te da minha boca”. O tempo verbal no grego
implica uma ação ainda não executada, ou seja, apesar da condição da
igreja, a graça de Jesus estava dando aos crentes em Laodiceia tempo
para se arrependerem após a leitura da carta.[4]
Muitas igrejas locais ao longo da história já foram vomitadas pelo
Senhor, por desprezarem ou abusarem da graça, que sempre precede o juízo
de Deus.
[...]
pois dizes: Estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma, e nem
sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu. (Ap 3.17)
Os
comentaristas estão divididos se a declaração de Jesus aqui diz
respeito a um sentimento de auto-suficiência espiritual ou material da
igreja em Laodiceia. Na realidade, os dois tipos de sentimento são
perniciosos. Nossa Assembleia de Deus, assim como qualquer outra
denominação evangélica, precisa estar alerta para esse tipo de postura.
Nenhuma
igreja pode se vangloriar do poder do Espírito e dos dons que nela
opera, do capital teológico e cultural que possui, de sua riqueza
musical, nem de qualquer outra riqueza espiritual. O que temos e somos,
temos e somos pela graça de Jesus.
E
o que falar das coisas materiais? Mas uma vez temos aqui um alerta
contra os perigos das ideias fomentadas pela Teologia da Prosperidade e
da Vitória Financeira. Ser rico não é pecado (nem ser pobre também), mas
implica em muitos perigos:
Ora,
os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas
concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na
ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e
alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram
com muitas dores. [...] Exorta aos ricos do presente século que não
sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da
riqueza, mas em Deus, que tudo nos proporciona ricamente para nosso
aprazimento; que pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos
em dar e prontos a repartir; que acumulem para si mesmos tesouros,
sólido fundamento para o futuro, a fim de se apoderarem da verdadeira
vida. (1 Tm 6.9, 10, 17-19)
A
prosperidade espiritual, ministerial, financeira e material, quando
graciosamente, e não barganhosamente adquirida, não deve alimentar
nossas loucas concupiscências, nem fortalecer nenhum sentimento de
orgulho e auto-suficiência. A igreja em Laodiceia não apenas vivenciava,
mas também verbalizava a sua aparentemente rica, mas na realidade
infeliz, pobre e miserável condição.
A igreja em Laodiceia foi vitimada também pelo auto-engano, tendo uma visão equivocada de si mesma. A
igreja em Laodiceia estava cega ao ponto de não perceber a sua nudez
espiritual. Uma coisa é aquilo que pensamos de nós mesmos, e outra é o
que Deus pensa e diz sobre nós. Precisamos nos ver como Deus nos vê.
Precisamos nos perceber como Deus nos percebe. Foi percebendo tal
necessidade, e se achando incapaz de ter uma visão real de sua própria
condição, que o salmista orou ao Senhor:
Sonda-me,
ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus
pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho
eterno. (Sm 139.23-24)
Oremos
ao Senhor, para que Ele comunique à nossa consciência o nosso real
estado espiritual, para que assim possamos ser poupados do vômito
divino.
Aconselho-te
que de mim compres ouro refinado pelo fogo para te enriqueceres,
vestiduras brancas para te vestires, a fim de que não seja manifesta a
vergonha da tua nudez, e colírio para ungires os olhos, a fim de que
vejas. (Ap 3.18)
Mas uma vez temos aqui a graça de Jesus agindo em favor da igreja. O texto se equipara ao que encontramos em Isaías 55.1:[5]
Ah!
Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes
dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e
sem preço, vinho e leite.
Como
podemos comprar alguma coisa do Senhor? Somente através da graça é
possível obter dele ouro refinado, vestiduras brancas e colírio. A fala
de Jesus assume o tom de um amável conselho.
Eu repreendo e disciplino a quantos amo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te. (Ap 3.19)
O
amor de Jesus não implica numa tolerância conivente. Quando se faz
necessário ele nos disciplina, e faz isso ainda em amor (Hb 12.5-11). Os
crentes em Laodiceia tinham abandonado o zelo pelas coisas do Senhor. O
termo grego zelos em sentido figurado positivo (Jo
2.17; Rm 10.2; 1 Co 14.1; 2 Co 7.7,11; 11.2; Cl 4.13) implica em ardor,
cuidado, fervor, características que deveriam ser buscadas pela igreja.
A
necessidade de arrependimento é aqui também declarada. O arrependimento
que possibilita novamente o perdão e aceitação de Deus é mais do que
simples verbalização de frases prontas e impressionistas. O termo grego
para “arrependimento” é metanoeo, que
implica em mudança de pensamento ou mentalidade que resulta em mudança
de sentimentos e atitudes. É uma mudança plena de uma condição que
desagrada a Deus, para uma outra condição que o alegra. Arrependimento é
tristeza diante do pecado, e não simples remorso (2 Co 7.10).
Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo. (Ap 3.20)
Que
imagem forte. O Senhor da igreja, que pela altivez e orgulho dos
crentes fora dela excluído, graciosamente e pacientemente bate à sua
porta buscando oportunidade de cear, comungar e celebrar. Em
congregações, lares e vidas, o quadro se repete na atualidade.
Que
o alerta e a promessa de Jesus aos crentes laodicenses possa reverberar
e encontrar guarida em vidas auto-suficientes, apáticas, indolentes e
mornas:
Ao
vencedor, dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono, assim como também
eu venci e me sentei com meu Pai no seu trono. Quem tem ouvidos, ouça o
que o Espírito diz às igrejas. (Ap 3.21-22).