Na Inglaterra, entrei em
um salão de "snooker" sentindo náuseas. A vertigem que invadiu meu
corpo foi diferente de tudo que já sentira antes. As mesas verdes
espalhadas pelo largo espaço lembravam-me um necrotério. Eu explico o
porquê.
Aquele salão havia sido a
nave de uma igreja, que definhou através dos anos, até ser vendido. O
pastor que me levou nessa insólita visita relatou que na Inglaterra há
um grande número de igrejas que morreram lentamente. Devido aos altos
custos de manutenção, só restava ao remanescente negociá-las.
Os maiores compradores,
segundo ele, são os muçulmanos, donos de lojas de antiguidades e,
infelizmente, de bares e boates. Vendo o púlpito talhado em pedra com
inscrições de textos bíblicos — "Pregamos a Cristo crucificado"; "O
sangue de Cristo nos purifica de todo pecado" —, voltei no tempo e
lembrei-me de que aquela igreja, fundada durante o avivamento wesleyano,
já fora um espaço de muita vitalidade espiritual.
As placas de granito e
mármore, ainda fixadas nas paredes, mostravam que naquele altar — então
balcão do bar — pregaram pastores e missionários ilustres. Imaginei
aquele grande espaço, hoje cheio de homens vazios, lotado de pessoas
ansiosas por participarem do mover de Deus que varria toda a Inglaterra.
Perguntei a mim mesmo: "o que levou essa congregação a morrer de forma
tão patética?". Nesses meus solilóquios, pensei no Brasil.
Semelhantemente ao avivamento wesleyano, experimentamos um crescimento numérico nas igrejas brasileiras. Há uma efervescência religiosa em nosso país. As periferias das grandes cidades estão apinhadas de templos evangélicos, todos repletos. Grandes denominações compram estações de rádio e televisão.
Semelhantemente ao avivamento wesleyano, experimentamos um crescimento numérico nas igrejas brasileiras. Há uma efervescência religiosa em nosso país. As periferias das grandes cidades estão apinhadas de templos evangélicos, todos repletos. Grandes denominações compram estações de rádio e televisão.
Cantores evangélicos
gravam e vendem muitos CD's. Publicam-se revistas e livros.
Comercializam-se bugigangas religiosas nas várias livrarias, que também
se multiplicam, interligadas pelo sistema de franquias. Por outro lado,
diferentemente do que aconteceu na Inglaterra, o despertamento religioso
brasileiro tem uma consistência doutrinária rala, demonstra pouca
preocupação ética e um mínimo de impacto social.
Os desdobramentos destas constatações são preocupantes. Se, com toda a firmeza doutrinária, ética e disciplina anglo-saxônica, aquelas igrejas morreram, o mesmo pode acontecer no Brasil? Infelizmente sim. As razões que implodiram inúmeras congregações européias obviamente são diferentes.
Os desdobramentos destas constatações são preocupantes. Se, com toda a firmeza doutrinária, ética e disciplina anglo-saxônica, aquelas igrejas morreram, o mesmo pode acontecer no Brasil? Infelizmente sim. As razões que implodiram inúmeras congregações européias obviamente são diferentes.
Lá, houve um forte
movimento anticlerical motivado pela secularização do Estado e das
universidades. A teologia liberal minou o ânimo evangelístico e os
processos de institucionalização do que era apenas um movimento jogaram a
última pá de cal nos sonhos dos antigos avivalistas ingleses.
Quais os perigos que ameaçam o futuro do movimento evangélico brasileiro? Alguns já se mostram de forma exuberante.
A trivialização do sagrado
Visitar qualquer igreja evangélica no Brasil é oportunidade para perceber uma forte tendência teológica e litúrgica na busca de uma divindade que se molde aos contornos teológicos dessa igreja e que ofereça apoio aos anseios e caprichos pessoais. Faltam temor e espanto diante de Deus. O único medo é o do pastor: de que a oferta não cubra as despesas e os seus planos de expansão.
Quais os perigos que ameaçam o futuro do movimento evangélico brasileiro? Alguns já se mostram de forma exuberante.
A trivialização do sagrado
Visitar qualquer igreja evangélica no Brasil é oportunidade para perceber uma forte tendência teológica e litúrgica na busca de uma divindade que se molde aos contornos teológicos dessa igreja e que ofereça apoio aos anseios e caprichos pessoais. Faltam temor e espanto diante de Deus. O único medo é o do pastor: de que a oferta não cubra as despesas e os seus planos de expansão.
A cultura evangélica
nacional está fomentando uma atitude muito displicente quanto ao
sagrado. O deus que está a serviço de seu povo para lhes cumprir todos
os desejos certamente não é o Deus da exortação de Hebreus 12.28-29:
"Por isso, recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela
qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor;
porque o nosso Deus é fogo consumidor".
O tom de voz exigente e
determinante como se fala com Deus hoje deixa a dúvida quanto a quem é o
senhor de quem. As experiências que só geram arrepios pelo corpo são
relatadas como se Deus fosse apenas um estimulante químico. Certos
pastores dizem falar e ouvir a voz de Deus — para serem contraditos pela
suas próprias falsas profecias — sem levar em conta que "Deus não terá
por inocente aquele que tomar o seu nome em vão".
Os milagres, aumentados
pela manipulação, revelam uma falta de temor. O descaso com o sagrado é
uma faca de dois gumes. Se, por um lado, demonstra grande familiaridade,
por outro, gera complacência. Complacência e enfado são sinônimos entre
si. Se nos acostumarmos com o mistério de Deus e trivializarmos sua
presença, acabaremos colocando-o na mesma categoria de nossos encontros
mais corriqueiros, daqueles que podem ser adiados ou não, dependendo de
nossas conveniências. Acabaremos entediados de Deus.
O esvaziamento dos conteúdos
Uma das marcas mais patéticas do tempo em que vivemos é a repetição maçante de jargões nos púlpitos evangélicos. Frases de efeito são copiadas e multiplicadas nos sermões. Algumas, vazias de conteúdo, criam êxtases sem nenhum desdobramento. Servem para esconder o despreparo teológico e a falta de esmero ministerial.
O esvaziamento dos conteúdos
Uma das marcas mais patéticas do tempo em que vivemos é a repetição maçante de jargões nos púlpitos evangélicos. Frases de efeito são copiadas e multiplicadas nos sermões. Algumas, vazias de conteúdo, criam êxtases sem nenhum desdobramento. Servem para esconder o despreparo teológico e a falta de esmero ministerial.
Manipulam-se os
auditórios, eleva-se a temperatura emotiva dos cultos, mas não se cria
um enraizamento de princípios. Gera-se um falso júbilo, mas não se
fornecem ferramentas para criar convicções espirituais. Hannah Arendet,
filósofa do século XX, ao comentar sobre o fato de que Eichmann,
nazista, braço direito de Hitler, respondeu com evasivas às
interrogações do tribunal de guerra que o julgava sobre seus crimes,
afirmou: "Clichês, frases feitas, adesões a condutas e códigos de
expressão convencionais e padronizados têm a função socialmente
reconhecida de nos proteger da realidade, ou seja, da exigência de
atenção do pensamento feita por todos os fatos e acontecimentos".
Qual será o futuro dessa geração que se contenta com um papagaiar contínuo de frases ocas que só prometem prosperidade, vitória sobre demônios e triunfo na vida?
A mistura de meios e fins
Por anos, combateu-se a idéia de que os fins justificavam os meios, porque essa premissa justificava comportamentos aéticos. Hoje, o problema aprofundou-se. Não se sabe mais o que é meio e o que é fim. Não se sabe mais se a igreja existe para levantar dinheiro ou se o dinheiro existe para dar continuidade à igreja.
Qual será o futuro dessa geração que se contenta com um papagaiar contínuo de frases ocas que só prometem prosperidade, vitória sobre demônios e triunfo na vida?
A mistura de meios e fins
Por anos, combateu-se a idéia de que os fins justificavam os meios, porque essa premissa justificava comportamentos aéticos. Hoje, o problema aprofundou-se. Não se sabe mais o que é meio e o que é fim. Não se sabe mais se a igreja existe para levantar dinheiro ou se o dinheiro existe para dar continuidade à igreja.
Canta-se para louvar a
Deus ou para entretenimento do povo? Publicam-se livros como negócio ou
para divulgar uma idéia? Os programas de televisão visam popularizar
determinado ministério ou a proclamação da mensagem? As respostas a
essas perguntas não são facilmente encontradas. Cristo não virou as
mesas dos cambistas no templo simplesmente porque eles pretendiam
prestar um serviço aos peregrinos que vinham adorar no templo.
Ele detectou que os
meios e os fins estavam confusos e que já não se discernia com clareza
se o templo existia para mercadejar ou se mercadejava para ajudar no
culto. A obsessão por dinheiro, a corrida desenfreada por fama e
prestígio e a paixão por títulos revelam que muitas igrejas já não sabem
se existem para faturar. Muitos líderes já não gastam suas energias
buscando um auditório que os ouça, mas procuram uma mensagem que segure o
seu auditório. A confusão de meios e fins mata igrejas por asfixia.
O livro do Apocalipse mantém a advertência, muitas vezes desapercebida, de que igrejas morrem. As sete igrejas ali mencionadas — inclusive a irrepreensível Filadélfia — acabaram-se. Resumem-se a meros registros históricos. Não podemos achar abrigo na promessa de Mateus 16 — de que as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja — para justificar qualquer irresponsabilidade.
O livro do Apocalipse mantém a advertência, muitas vezes desapercebida, de que igrejas morrem. As sete igrejas ali mencionadas — inclusive a irrepreensível Filadélfia — acabaram-se. Resumem-se a meros registros históricos. Não podemos achar abrigo na promessa de Mateus 16 — de que as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja — para justificar qualquer irresponsabilidade.
O livro do Apocalipse
adverte: "Lembra-te, pois, de onde caíste arrepende-te, e volta à
prática das primeiras obras; e se não, venho a ti e moverei do seu lugar
o teu candeeiro, caso não te arrependas" (Ap 2.5).
Crescer numericamente não imuniza a igreja de perigos. Pelo contrário, torna-a mais vulnerável. Resta perguntar: Será que agora, famosos e numericamente profusos, não estamos precisando de profetas? Será que o tão propalado avivamento evangélico brasileiro não necessita de uma Reforma? Aprendamos com a história. Um pequeno desvio hoje pode tornar-se um abismo amanhã. Imaginar que podemos condenar nossas igrejas a se tornarem bares de "snooker" é um sonho horrível. Porém, se não fizermos algo, esse pesadelo pode se tornar realidade. Que Deus nos ajude.
Soli Deo Gloria. Ricardo Gondim
Revista ULTIMATO Edição 252, maio 98. p. 50
Crescer numericamente não imuniza a igreja de perigos. Pelo contrário, torna-a mais vulnerável. Resta perguntar: Será que agora, famosos e numericamente profusos, não estamos precisando de profetas? Será que o tão propalado avivamento evangélico brasileiro não necessita de uma Reforma? Aprendamos com a história. Um pequeno desvio hoje pode tornar-se um abismo amanhã. Imaginar que podemos condenar nossas igrejas a se tornarem bares de "snooker" é um sonho horrível. Porém, se não fizermos algo, esse pesadelo pode se tornar realidade. Que Deus nos ajude.
Soli Deo Gloria. Ricardo Gondim
Revista ULTIMATO Edição 252, maio 98. p. 50